Reinos de Guilenor

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Fórum da mesa Reinos de Guilenor, uma mesa de RPG no universo de Guilenor.


    Lahndriniel

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    Laura


    Mensagens : 1
    Data de inscrição : 05/09/2020

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    Mensagem por Laura Sáb Set 05, 2020 9:47 pm

    Informações Principais:

    Nome: Lahndriniel
    Alcunhas/Títulos: Pluma; Lanre.
    Raça: Meio-elfo.
    Origem: Karamji

    Características:

    Lahndriniel Lanre12



    Aparência:
    Lanre é uma garota franzina, que não aparente ter alcançado os 20 anos ainda. Tem a pele morena e bronzeada, as sardas espalhadas pelo rosto demonstram a ação da luz do sol implacável de Karamja em sua pele. O cabelo castanho é cacheado e cheio, emoldurando seu rosto como uma juba orgulhosa. Tem a cor escura, mas, em alguns pontos, é possível encontrar mechas que tendem a um amarelo queimado pelo sol. As orelhas pontudas estão sempre cuidadosamente escondidas por trás do cabelo volumoso. Para além delas, o único indicativo de sua origem peculiar para o continente de Karamja são seus olhos claros. São de um verde vivo, com uma auréola dourada no redor das pupilas. A expressão geralmente plácida de seu rosto, em conjunto com o grupo de gestos aparentemente desconexos que ela costuma fazer com as mãos enquanto fala contribuem para que ela pareça uma figura peculiar
    Idade: 41
    Peso Corporal: 51kg
    Religião/Doutrina: -


    Traços:

    Mentais

    Trauma (Massacre da Tribo): Essa personagem passou por uma experiência que a marcou profundamente, e essa ferida mal-cicatrizada vez por outra pode reabrir. Toda vez que o narrador julgar que uma situação durante uma sessão pode funcionar como um gatilho para o trauma da personagem, ele pode pedir uma rolagem de Determinação da personagem para ela resistir ao impulso que o trauma induzirá ela a tomar, a depender da situação. Esse impulso pode ser desde correr com pavor da situação, cegamente partir para atacar aquele que despertou o trauma, um reflexo social inconveniente, ou qualquer coisa que faça sentido com a situação, a critério do narrador. Em todo caso, o despertar de um trauma causará um aumento de 50 pontos de estresse. Não é possível ter um traço "Trauma" e um traço "Fobia" relativos à mesma causa. (Ganho: 40 exp.)

    Fobia / Repulsa Extrema (Claustrofobia causada pelos dois dias presa dentro da caixa): Enquanto traumas são provocados por situações bem específicas e apenas ocasionalmente, fobias são medos viscerais sempre presentes, com uma causa genérica. Ambos funcionam de forma parecida, mas para a fobia, uma rolagem de Determinação é necessária a cada turno na presença da causa para não ceder a impulsos irracionais, e todas as rolagens na presença da causa recebem um modificador fixo de -3, e o aumento de estresse é de 20 pontos por turno de exposição. Não é possível ter um traço "Fobia / Repulsa Extrema" e um traço "Trauma" relativos à mesma causa. Em certas culturas, algumas fobias podem ser motivo de ridicularização. (Ganho: 60 exp.)
    Personalidade e Vícios:

    Antissocial: Essa personagem odeia ter que socializar com estranhos ou pessoas com quem tem pouca intimidade, assim como tudo que vem na bagagem. Ela recebe uma redução de -1 na habilidade Socialização. Essa personagem recebe 20 de estresse por participar de eventos sociais onde deve interagir com muitas pessoas. Ela reduz 40 de estresse por passar ao menos uma hora sozinha, ou sem ter que interagir com outra pessoa. Essa personagem tem um modificador de +2 em todas as rolagens, desde que não tenha que trabalhar em grupo com outros indivíduos. Esse traço geralmente é mal visto. Ele é incompatível com o traço "Extrovertido". (Ganho: 10 exp.)

    Teimosa/o: O que acontece quando uma força imparável encontra um objeto que não se move? Essa personagem bem que tenta descobrir. Não importa quantas vezes ela fracasse, ela sempre tenta ganhar o que deseja pela persistência. Essa personagem recebe 20 de estresse toda vez que é forçada a mudar de abordagem para alcançar um objetivo, e perde 30 de estresse após tentar a mesma abordagem mais de uma vez e alcançar o efeito desejado. Essa personagem tem vantagem ao rolar Determinação em qualquer situação em que esteja tentando triunfar pela persistência, inclusive para receber bônus em rolagens de outras habilidades ou atributos. Esse traço pode ser bem ou mal visto, dependendo do meio. Esse traço é incompatível com o traço "Conformado". (Ganho: 5 exp.)

    Curioso/a: Essa personagem raramente consegue resistir a tentação de desbravar o desconhecido. Ela recebe +1 em Inteligência, Percepção, Memória OU Criatividade. Rolagens em Determinação para realizar novas descobertas são feitas com vantagem, e dão +2 em quaisquer bônus que pudessem vir a causar em outras rolagens relevantes. Essa personagem precisa rolar Determinação para resistir ao impulso de não largar o seu objetivo primário e ir investigar algo aparentemente não relacionado que atrai a sua curiosidade no caminho, se desejar resistir. Ela recebe 20 de estresse toda vez que se impede ou é impedida de investigar uma curiosidade sua a fundo no momento que ela atrai a sua atenção, e seu estresse é reduzido por 10 pontos se ela ceder a esse impulso, por 50 pontos se ela realizar uma nova descoberta relevante. Ela recebe 10 de estresse também se uma curiosidade sua não levar a nenhuma descoberta promissora. Esse traço pode ser bem ou mal visto, dependendo da cultura e do meio. Esse traço é incompatível com o traço "Conformado" e pode ser incompatível com certos tipos de "Código Moral". (Custo: 5 exp.)
    Comunicação, Apresentação e Reputação:

    Eremita: Essa personagem passou um grande período da sua vida em isolamento, seja com um grupo de eremitas ou completamente solitária. Por esse motivo, ela se vê fora do seu elemento quando interagindo com grandes grupos de pessoas de origens diferentes. Essa personagem recebe 3 níveis (no total) em atributos ou habilidades da sua escolha, que ela tenha treinado durante o seu isolamento. Essa personagem tem desvantagem em qualquer rolagem social com pessoas de fora do seu meio, ou que não a tenha em admiração por ser uma eremita. Caso os alvos tenham medo ou admiração por eremitas ou pela sua ordem, a personagem recebe vantagem em rolagens de discursos, tentativas de persuasão e manipulação ao invés disso (mas desvantagens em rolagens de compreensão social continuam valendo). Eremitas geralmente são vistos como criaturas apartadas do mundo, e podem ser valorizados em muitas sociedades como espiritualmente superiores, ou desprezados. No caso de eremitas religiosos, rolagens de Rituais geralmente podem ser tentadas para dar bônus fixos às rolagens de discursos, etc. Esse traço é incompatível com os traços "Refinado", "Homem do Povo" e "Extrovertido". (Custo: 10 exp.)
    Bens Materiais e Laços Sociais Pobre:

    Mentor(a)/Mecenas: Essa personagem tem o patrocínio, proteção e/ou tutelagem de alguém rico, influente ou que tem muito a ensiná-la. Essa personagem não-jogável não aparecerá com tanta frequência nas suas narrativas ou ficará ao seu lado em todas as sessões, mas pode aparecer para salvá-lo em situações complicadas (se o narrador julgar que faz sentido com a situação), te ajudará a desenvolver certas habilidades durante ou no intervalo entre sessões e/ou patrocinará os seus esforços se você fizer por merecer. Como com o traço "Companheiro", o apoio dessa personagem não é absolutamente incondicional, e depende de você atender aos desejos dele para a sua personagem. (Custo: 60 exp.)

    Pobre: Essa personagem pertence da camada mais humilde da população, tendo pouquíssimo em riquezas materiais. Ela começa com 1/10 da riqueza normal caso esse traço seja escolhido na criação da personagem, e não pode começar com grandes e valiosas propriedades ou fontes de renda. Caso essa personagem viva por tempo o suficiente com pessoas em condições parecidas, ela pode adquirir o traço "Homem do Povo", o que permite a ela usufruir das vantagens de ser considerada como parte do meio, para bem ou para mal. Esse traço é incompatível com o traço "Rico". (Ganho: 60 exp.)

    Relíquia (Pingente élfico): Seja uma herança de família passada por gerações, uma relíquia de um templo que você jurou proteger ou um artefato mágico com poderes pouco conhecidos, ou qualquer outro objeto de valor real ou especulado, mesmo... Essa personagem possuí um objeto (ou um conjunto de objetos) único, mesmo que ainda não entenda o seu real valor. Esse traço pode ser adquirido apenas durante a criação da personagem ou quando uma personagem herda algo de valor incomensurável de outra personagem, e concede o direito a começar com um objeto único com poderes e habilidades decididos pelo narrador, sejam eles todos revelados inicialmente ou não. (Custo: 40 exp.)
    Sobrenaturais

    Magia Latente (“Empurrão”): Essa personagem adquiriu ou nasceu com um poder mágico intrínseco. Especifique qual é esse poder entre parênteses no título. Dependendo do poder mágico, ele pode ser hereditário. Vidência é o traço mais comum em linhagens mágicas em Guilenor, mas existem outros possíveis. Consulte o narrador para decidir quais são possíveis e fazem sentido com a sua personagem, assim como para decidir a sua descrição, que deve entrar no lugar desta. (Custo: 100 exp.)
    Informações Gerais:

    Trabalho/Ocupação: -
    Residência: Floresta Karamji

    Estatísticas:

    Pontos Vitais: 110
    Stamina: 4
    Peso Carregado: 0,3kg
    Movimento: 10,5
    Tamanho: -
    Modificadores: -



    Itens Equipados:


    Adaga
    Requisitos: Nenhum
    Dano da Arma: 5
    Tipos de Dano: Cortante, Perfurante (70%)
    Resistência: 120
    Peso: 0,3 kg
    Alcance: 0,5 m
    Propriedades: * Assassina * Arma Secundária * Veloz
    Material: Punho de Osso, Lâmina de Ferro (Nv. 1)


    Experiência, Atributos, Habilidades e Especializações:


    Experiência:

    Experiência Total:
    Conhecimento:
    Resto:


    Atributos:


    Aspecto da Mente:

    • Inteligência: 2 + 1 (Traço): 3
    • Percepção: 1 (+2 Racial e Origem): 3
    • Determinação: 2
    • Memória: 1 (+1 Traço): 2

    Aspecto do Corpo:

    • Força: 1
    • Destreza: 2
    • Vigor: 1
    • Reflexos: 2

    Aspecto da Alma:

    • Presença: 1
    • Expressão: 1
    • Charme: 1
    • Criatividade: 1


    Habilidades:


    Aspecto da Mente:

    • Estratégia: 0
    • Magia: 2
    • Ofício: 0
    • Ciência: 0
    • Geografia: 0
    • Rituais: 0 (+2 Traço): 2
    • Administração: 0
    • História: 0
    • Línguas: 1


    Aspecto do Corpo:

    • Atletismo: 0
    • Agilidade: 1
    • Briga: 0
    • Condução: 0
    • Precisão: 0
    • Furto: 1
    • Furtividade: 2
    • Sobrevivência: 0  (+1 Origem): 2
    • Armas: 0


    Aspecto da Alma:

    • Afinidade Animal: 1
    • Empatia: 3
    • Artes: 0
    • Intimidação: 0
    • Persuasão: 0
    • Socialização: 0
    • Conhecimento das Ruas: 0
    • Manipulação: 0
    • Sedução: 0


    Especializações:

    Aspecto da Mente:

    • Rituais: Rituais Sagrados (Karamji)
    • Línguas: Língua Karamji


    Aspecto do Corpo:

    • Sobrevivência: Identificação de Plantas e Criaturas Perigosas


    Aspecto da Alma:

    • Afinidade Animal: Acalmar.
    • Empatia: Identificar Emoções; Incitar Emoções; Ganhar Confiança.



    Ofícios:


    Habilidades Especiais:

    "Nome da habilidade"(Ativa - Habilidade ou Atributo relacionado): "Descrição e efeito da habilidade ativa."

    "Nome da habilidade"(Passiva - Habilidade ou Atributo relacionado): "Descrição e efeito da habilidade passiva."

    "Nome da Habilidade" (Interpretativa - Habilidade ou Atributo relacionado): "Descrição e efeito da habilidade interpretativa"


    Racial:

    Graça Divina (Racial): Elfos podem detectar auras mágicas fortes ou de tipos de magia com os quais eles são familiares naturalmente, precisando apenas de uma rolagem de Percepção, e tentativas de manipulação mental mágica ou controle mental contra eles são feitas com desvantagem. Elfos também podem realizar rolagens de Afinidade Animal ou de Manipulação de Anima (Magia) para perceber anomalias no equilíbrio de ecossistemas locais ou no Anima Mundi (quanto mais próximo da anomalia, mais fácil). Todos os elfos podem receber os traços "Atraente" e "Ágil" na criação da personagem, sem custo de experiência.
    Origem:

    Terra Incognita (Origem): Os nativos de Karamja aprenderam a viver e sobreviver em um ambiente que insiste em tentar matá-los a todo instante. Uma personagem que cresceu em uma comunidade Karamji que convive de perto com a natureza recebe vantagem em todas as rolagens para detectar fauna e flora perigosa local. Ela também recebe +1 de Sobrevivência na criação da personagem.
    Grande Feito:

    Efeito na Saga:

    "Nome da habilidade" (Grande Feito):

    História:


    I. O Fim de Tudo
    Sua primeira lembrança, a mais antiga que consegue evocar, nas raras ocasiões em que força sua mente a retornar aos acontecimentos inicias da sua vida, é uma confusão sinuosa de fumaça, cheiro de cabelo queimado e sangue. Lembra-se, também, do intenso torpor – que, agora, lhe parece como um mecanismo de defesa do próprio corpo - que a fazia sentir como se vivenciasse todo aquele momento através de uma janela de vidro espesso e embaçado, transformando os movimentos em vultos embaralhados e, os sons, de batalha e de gritos, em barulhos abafados e longínquos, como trovões retumbando a distância, anunciando a aproximação de uma tempestade especialmente cruel. Lembra-se do gosto metálico de sangue na boca; talvez ela tenha caído, batido a cabeça, ou, talvez, tenham lhe acertado uma pancada. Lembra-se também do puxão violento no seu cabelo espesso, que a arrastara alguns metros para longe de uma das residências tribais para a onde ela tentava desesperadamente se esgueirar e se esconder. Seria inútil, é claro, pois, enquanto era puxada para trás, percebeu os filetes de fumaça que já começavam a escapar pelas frestas da construção. Tudo sucumbiu para o fogo, e, o que restou, sucumbiu para o machado.
    Mesmo com esforço - que ela raramente se dispõe a fazer, pelo nó no peito provocado pelas memórias - é incapaz de recordar como se libertou. A lembrança seguinte é de escapar por entre as árvores, lutando contra o instinto mórbido e quase irresistível de olhar para trás. Alguns dias, não ter olhado para trás dói mais do que todo o resto. Ela correu, por horas inteiras, dias inteiros, não seria capaz de dizer. Quando parou, na grama macia e úmida das margens de um riacho, não maior que uma nascente, os músculos das pernas ardiam tanto quanto o peito toda vez que ela puxava o ar para respirar. O período seguinte é marcado pelo mesmo entorpecimento do acontecimento em si. Resistiu na floresta, com nada além de seu conhecimento do terreno ensinado por sua tribo, a floresta viva e selvagem na sua volta proporcionando alimento e água. Viveu esse tempo inteiro de maneira automática, guiada por um instinto débil de sobrevivência, mesmo que, no fundo, se sentisse como uma árvore que tivesse sido duramente arrancada do solo com todas suas raízes, restando-lhe poucas alternativas senão render-se a natureza, lentamente sendo coberta pelo musgo e pelos pequenos seres que se alimentavam dos cadáveres de tudo que era orgânico.
    Em um dos estranhos movimentos que tendem a fazer aquelas mentes que lutam para não enlouquecer, as memórias de sua tribo e de sua família dizimada foram escondidas em alguma parte adormecida de sua cabeça, fora do seu alcance. De seus pais, os únicos traços de lembrança que sobraram foram da cor clara da pele de sua mãe, que contrastava ao lado da pele morena do pai. Dele, lembra-se apenas de suas mãos. Tinha calos, mas eram macias, característica de mãos que estão acostumadas com o trabalho e com o manuseio de objetos ásperos.
    Para além desses lampejos, tudo que lhe restara foi seu nome, Lahndriniel; o pingente brilhante que usava em um colar e escondia atrás de suas roupas; uma adaga com punho de osso e lâmina pálida adornada com fitas de couro preto, e um vazio opressivo que doía no peito da mesma forma que a fome doía no estômago. A respeito dessa época, que vagou a esmo na floresta de Karamja, é também incapaz de delimitar quanto tempo se passou. Teriam sido algumas semanas? Um ano inteiro? Talvez mais que isso.


    II. O Porto.
    Chegara a Brimhaven por acaso, mesmo que o porto não lhe fosse inteiramente estranho graças às trocas comerciais de sua tribo, atraída pelo cheiro da comida e pelos sussurros agitados do mar. A essa altura, ela era uma coisa magra, de aparência frágil, com a voz rouca pelo desuso e um medo quase inerente de outras pessoas. Apesar disso, sabia que precisaria da pequena cidade para sobreviver. A floresta era fria durante a noite, e nem sempre se mostrava disposta a prover comida; era quase como uma imensa criatura selvagem por si só, e Lahndriniel tinha a impressão crescente de que, dentro dela, não passava de um animal pequeno sendo digerido com uma paciência displicente. Quando avistara os homens pela primeira vez – os piratas – suas entranhas enrolaram-se em si mesmas, retraídas pela raiva e pelo terror. Restavam-lhe poucas dúvidas de que tinham sido eles os responsáveis pela morte de sua tribo, sua família, mesmo que fosse impossível distinguir quais deles haviam pessoalmente perpetuado e momento mais traumático de sua vida. Durante dias e noites evitou se aproximar da sombra de qualquer homem, fantasiando, quando se encontrava em segurança, com a ideia sombria de passar uma tocha por todos barcos alinhados pelo porto e assistir enquanto a fumaça se misturasse com as nuvens do céu escuro.
    Assim como todas ideias impraticáveis e mirabolantes, essa logo abandonou sua mente, enquanto a raiva, incapaz de encontrar um foco específico no qual pudesse se concentrar, não tardou a também atenuar-se. O que não quer dizer que sua estadia em Brimhaven não tenha rapidamente a forçado a sair de seu estado de entorpecimento. Era um lugar implacável, com pessoas endurecidas pelo tempo e pelos anos de ocupação com atividades pouco gratificantes. Mesmo as crianças com as quais dividia as ruas – na sua maioria, bastardas dos milhares de piratas que paravam no lugar, pelo que Lahndriniel podia supor – tendiam a ser cruéis, profundamente territoriais com os espaços especialmente bons para a mendicância e para o furto que encontravam.
    Foi também durante esse período que Lahndriniel descobriu algo peculiar e importante a respeito de si mesma. Por falta de maiores conhecimentos, decidiu chamar o fenômeno de Empurrão. Escolheu esse nome pois, em sua percepção, tinha uma facilidade inexplicável para “empurrar” as emoções e inclinações alheias em uma direção que melhor lhe favorecesse. Com uso de seu Empurrão, em mais de uma ocasião foi capaz de se livrar de uma surra particularmente feia, ou talvez, de coisas piores. Conseguia acalmar indivíduos quando convinha, ou, até mesmo, incitá-los a alimentar a própria raiva, virando-os uns contra os outros. O que não é dizer que tinha total controle sobre seu Empurrão. Muitas vezes era capaz de alcança-lo apenas quando beirava o desespero, e, em outras, mesmo que tentasse, não conseguia sequer sentir o sútil formigamento interno que indicava a presença do fenômeno dentro de si.
    Com ajuda de seu Empurrão e de um instinto de sobrevivência especialmente apurado, Lahndriniel não demorou mais de um ano para criar um pequeno lar em Brimhaven. No interior de um beco, em cima de um telhado antigo, onde três telhas se sobrepunham e a tapavam do vento e do restante da rua, levou um pequeno cobertor surrado e passou suas noites aquecida pela parede quente de uma chaminé, com a vista para lua e para as estrelas abrindo-se acima de sua cabeça. Foi a quatro ruas de distância de sua casa improvisada que Lahndriniel conheceu o lado bondoso das pessoas.
    Após a terceira semana encontrando restos de comidas espantosamente satisfatórios na rua de trás da hospedaria Senhora Bêbada – sem sinal de estarem estragadas, pouco consumidas e, em uma ocasião, um pedaço de carne ainda quente – Lahndriniel começou a desconfiar que não estava contando apenas com a própria sorte.  Não demorou muito tempo para que sua teoria se provasse verdadeira. Chegando mais cedo, em uma das noites, encontrou Yarin, a velha dona do estabelecimento, acomodando os restos de alimento quase que cuidadosamente no beco que dava para os fundos da estalagem.
    Yarin era uma mulher que já avançava a meia idade, o rosto marcado pelo sol e pelo vento, os cabelos exibindo os primeiros sinais grisalhos da velhice. Não tinha nada de macia e arredondada, como se poderia supor da maioria das mulheres de sua idade. Tinha ombros largos e a postura ereta de alguém que muitas vezes na vida precisou deixar claro a própria dignidade. Tampouco era doce e maternal, interrompia-se diversas vezes para soltar um grunhido frustrado e pouco decoroso, principalmente quando se cansava de tentar arrancar um diálogo prolongado de Lahndriniel. Talvez sua postura mudasse se ela soubesse que foi a primeira pessoa com quem a garota se dispôs a falar mais de meia frase desde que chegara a Brimhaven, mas não teve oportunidade de descobrir esse fato.
    Apesar da aparência quase taciturna, Yarin jamais fora qualquer coisa além de gentil. Quando a comida sobrava, a levava até o beco religiosamente, e, nos dias onde o movimento era pouco, até mesmo permitia que Lahndriniel passasse algumas horas no interior da estalagem, em uma das mesas no fundo do local que mesmo com a distância ainda era tocada pelo calor do braseiro que fornecia boa parte da iluminação do pequeno salão. Frente a incapacidade de arrancar um nome da garotinha de aparência curiosa, Yarin decidiu por chama-la de Pluma, fato que parecia divertir infinitamente a hospedeira. “É silenciosa como um fantasma, e, quando senta nos fundos, chego a esquecer que pousou por ali” dizia, dando um raro sorriso. Como tendem a ser essas coisas, não demorou para que o apelido se popularizasse entre os poucos fregueses assíduos que eram frequentes mesmo nas noites de baixo movimento. Dentre eles havia Rue, o cantor de cabelo cor de areia que fizera com que Pluma se apaixonasse pelo som do alaúde, Andor, o pirata aposentado de apenas um braço que abrandara boa parte do medo e da raiva que Pluma sentia por piratas e por homens no geral, e, ocasionalmente, algumas das prostituas que praticamente habitavam o local a espera de trabalho. Com raras exceções, as prostitutas eram especialmente gentis. Talvez porque soubessem uma coisa ou duas a respeito de serem tratadas com desdém e violência.
    Foram anos de tranquilidade e de eventuais alegrias, aqueles em que ela fora conhecida como Pluma. Escutava música de graça, provou a sidra e a cerveja, relembrou o som de sua própria risada e, mais importante, aprendeu muito sobre as pessoas. Apesar disso, nunca precisou usar seu Empurrão dentro da estalagem de Yarin. Para seu azar, entretanto, Brimhaven era uma cidade pequena, amontoada na volta do porto com o intuito de suprir as necessidades que todo o lugar de constante movimentação de pessoa costuma possuir. Mesmo que fosse uma estalagem modesta e familiar, a Senhora Bêbada tinha também outros hóspedes e fregueses desconhecidos, e o anonimato da garotinha surrada, de aparência étnica local e de olhos coloridos não perdurou para sempre.
    Ironicamente, mesmo com toda sua cautela e receio quase intrínseco, Pluma foi capturada a noite enquanto juntava os restos de comida habituais de Senhora Bêbada. Olhando para trás, talvez fosse justamente a familiaridade com o ambiente, normalmente seguro, que a fizera distrair-se, que acalmou os instintos afiados e permitiu que sua guarda baixasse. É outro momento de sua vida que a memória, quase propositalmente, escolhe lhe faltar. Lembra-se de mãos rudes em volta de seus pulsos, um saco de tecido grosseiro tapando sua cabeça, e, por fim, de ser jogada em um lugar apertado e escuro, que a levou para longe da estalagem, do calor do braseiro e do som do alaúde. Para além do pânico, que estalou como um chicote enquanto ela ofegava dentro de um espaço de madeira no qual mal conseguia esticar as pernas, há também um gosto especialmente amargo em ser traída pelos próprios instintos, relaxados demais para avisá-la do perigo.
    Mesmo em seu estado de desorientação, Pluma sabia o significado daquela situação. Ela seria vendida, escravizada pelos piratas que haviam feito a mesma coisa com sua tribo. Com a cabeça tapada e impossibilitada de olhar para seus captores, seu Empurrão era tão inútil quanto suas mãos, fracas demais para se soltar da prisão de madeira que apertava seu corpo pequeno. Estava numa carroça em movimento, podia adivinhar pelo menos isso, dentro de um barril deitado ou um de um caixote. A carroça andou por horas, fazendo curvas fechadas pelas ruas estreitas de Brimhaven, que jogavam seu corpo para o lado e o pressionavam desconfortavelmente contra as paredes ásperas de seu cativeiro. Quando a carroça finalmente parou, o som das vozes de seus captores era abafado pelo barulho das ondas estourando na praia, e qualquer conversa se tornou indistinta demais para dar indicações de seu destino.
    Passou horas dentro do caixote, respirando com dificuldade através do saco que ainda cobria sua cabeça e do espaço pequeno demais para permitir que o ar circulasse livremente. Era impossível tentar adivinhar a passagem do tempo. Era início da noite quando fora capturada, mas, viu, insone, quando a luz do sol transpassou em pequenos feixes esbranquiçadas por entre as frestas da madeira do caixote. O calor abafado do dia ensolarado fazia seu corpo suar, o cabelo pesado grudando no seu rosto e atrapalhando ainda mais a respiração. Em algum momento do dia, o caixote foi aberto. Ela tentou, debilmente, gritar por ajuda, mas o som foi engasgado por um jato de água derramado diretamente no seu rosto. Se o intuito era não a matar de sede, foi uma tentativa cruel de preservá-la viva. A água foi jogada do alto, muito longe de sua boca, e escorreu pelo saco imundo que a privava quase inteiramente de sua visão. Teve que lamber o que conseguia, e sugar do tecido empapado o que restara da água quando a tampa foi fechada novamente.
    A luz do sol atenuou-se e a noite embalada pelos sons do mar deixou Pluma novamente envolta pela escuridão. Foi outra vez incapaz de dormir, o estômago apertado pela fome e a cabeça anuviada dando voltas desconexas pelo medo e pela incerteza. Após horas torturantes, quando o sol escalou o horizonte outra vez, a caixa foi reaberta. Ela foi virada, empurrando Pluma para fora e jogando-a de cara contra a areia, como se fosse um dos sacos de alimentos que eram descuidadamente arrastados para o porto para serem depois transportados pelos navios. Mãos tão grosseiras quanto antes a puseram de pé, apertando a parte superior do seu braço com uma força tão intensa que sem dúvida nenhuma seria suficiente para deixa-la marcada depois. Em um lampejo de percepção, lembrou-se que ainda tinha sua adaga. Estava quase cega pela luz do sol, os olhos haviam se tornado desacostumado após dois dias na escuridão. O corpo estava fraco e a mente fragilizada, mas é impressionante o que uma pessoa, mesmo pequena, é capaz de fazer em nome da autopreservação.
    Quando o corpo é tomado por uma quantidade de adrenalina elevada e incomum, é difícil ter noção do que está acontecendo, quanto mais lembrar com exatidão do que foi feito. Com hesitante precisão, Pluma é capaz de afirmar que, em um movimento rápido e desajeitado, levantou o braço e talhou um corte comprido e pouco profundo que deve ter cegado o homem, e desceu pela bochecha até a ponta do queixo. Quando ele praguejou, levando uma das mãos até o rosto, ela enfiou, com toda força que seu corpo cansado permitia, a adaga de osso na pele macia da barriga do pirata, um pouco abaixo do umbigo. Não sabia nada a respeito do corpo humano, e não era capaz de prever se aquele golpe seria capaz de enfraquecê-lo por muito tempo, então, quando ela avistou, a distância, mais homens se aproximando, Pluma se virou na direção da floresta que avançava contra a praia e correu para seu interior, desesperadamente, em um movimento que lhe pareceu quase familiar. “Eles deviam ter me amarrado” foi o único pensamento que atravessou sua mente enquanto ela desviava pelas árvores. São engraçadas as coisas pouco apropriadas para a situação que a cabeça decide refletir quando está tomada pelo terror.
    Sua vantagem era ter melhor conhecimento da floresta de Karamja que qualquer um daqueles bárbaros poderiam sequer almejar possuir. Se esgueirou por entre plantas largas, maiores que uma cabeça humana, por detrás de raízes grossas e por entre galhos sinuosos que se abraçavam e delineavam um caminho estreito. Deve ter corrido por mais de uma hora até que se sentisse completamente segura no interior da selva, e, quando parou, deitou-se no meio de um riacho raso. Mesmo deitada, a água não passava de sua bochecha, como se fosse uma pequena poça com uma correnteza leve e constante. Bebeu o que podia sem ficar enjoada, expulsando os primeiros sinais de desidratação que já se manifestavam. Depois de um tempo, tentou levantar, mas percebeu que o corpo não tinha mais forças para fazê-lo. Enquanto ficou ali, aguardando que a morte finalmente a alcançasse, permitiu que uma raiva antiga, cuidadosamente contida, tomasse conta de todo seu espírito. Ela começou como uma centelha em uma fogueira há muito tempo abandonada e abafada pelas cinzas, mas não tardou em alcançar galhos que ainda não haviam sido queimados e se alimentou até tornar-se uma chama altiva, poderosa e orgulhosa. Naquele momento, Pluma sentia que sua raiva seria capaz de engolir toda a extensão da floresta de Karamja.
    Teria sido Yarin que a entregara? A ambição natural daqueles homens e mulheres de Brimhaven finalmente teria vencido e feito com que a velha hospedeira entregasse Pluma para os comerciantes de escravos? O que ganharia com isso? A chance de comprar uma cerveja decente para vender em sua estalagem medíocre? Ou fora Rue, no intuito de comprar cordas novas para seu alaúde surrado? Seria esse o valor da vida de Pluma para o músico? Poderia ter sido também Andor, afinal, ele mesmo fora um pirata. Talvez tivesse amigos entre os homens que ainda mantinham sua antiga ocupação. Também não seria de se espantar caso a culpa fosse de alguma daquelas putas burras e baratas. O que seria possível esperar de mulheres que entregavam seus corpos para os homens imundos do porto de Brimhaven? Certamente elas já não teriam mais nada a perder, nem a sombra de uma dignidade. Odiava todos, concluiu, enquanto permanecia deitada, estática, com força apenas para trincar os dentes. Eram todos iguais, com a pele alva e olhares frios, incapazes de compreender conceitos de cooperação, coletividade e apoio. Tudo que conheciam era o egoísmo e a fome insaciável por consumir coisas que não entendiam e não lhes pertenciam, na esperança inútil de preencher o vazio que caracterizava suas existências.
    A exaustão avançou até que não lhe restassem energias nem para pensar, e, embalada pela raiva crua que apenas as pessoas profundamente ressentidas e magoadas conseguem nutrir, Pluma deslizou para a inconsciência, em um sono agitado e febril, preenchido por delírios e pela memória amarga da fumaça, do cheiro de cabelo queimado e de sangue.
    Quando recobrou a consciência, lentamente, como um animal há muito adormecido, erguer as pálpebras pesadas exigiu tanto esforço quanto ela faria para levantar um tronco com o dobro de seu tamanho. A garganta parecia arranhada, a boca seca e a língua espessa. Ao abrir os olhos completamente, notou que estava em um local coberto, a superfície de pedras na sua volta servindo como abrigo improvisado.  Devia haver chamas próximas, notou vagamente, se o calor confortante e as sombras que dançavam de maneira languida no teto do que assemelhava-se a uma caverna fossem algum indicativo. De súbito, o bom senso pareceu-lhe voltar. Não fora ali que Pluma havia caído desmaiada, e, mesmo que fosse possível crer que teria levantado enquanto ainda dormia e perambulado até uma caverna fechada, jamais seria capaz de montar e acender uma fogueira enquanto estivesse inconsciente. Sentou-se de pressa, empurrando o corpo com as pernas até que as costas batessem contra uma parede de pedra dura e fria. Correu os olhos pelo lugar, notando que, em um tripé sob a fogueira, havia uma panelinha de barro com o que parecia ser ensopado ou guisado fervilhando em seu interior, banhando o ambiente com o cheiro convidativo de comida quente. Remexendo uma colher comprida de pau, e sem dar nenhum sinal de ter notado a recente movimentação brusca de sua companhia, pairava uma figura deformada, com a pele escura e repuxada, muito semelhante aos monstros assombrosos que os bárbaros de Brimhaven insistiam em acreditar que habitavam no interior de Karamja.


    III. O Princípio.
    A criatura, evidentemente, não se tratava de nenhum monstro. Nem sequer era uma criatura, no sentido fantasioso que a palavra poderia assumir. Era apenas um homem, nativo de Karamja, assim como ela, e seu nome era Azibo, como Pluma não tardaria descobrir. O problema de Azibo era que seu rosto havia sido violentamente destroçado por algo implacável como o fogo, ou talvez a mordida voraz de algum animal selvagem. Para completar, sua garganta fora cravejada com a linha branca e grossa de uma cicatriz comprida que ia de uma ponta de seu pescoço até a outra. A lâmina havia atravessado tão profundamente a pele e os músculos por baixo dela que Azibo ficara permanentemente incapacitado de falar. Caso tentasse, tudo que escapava por entre seus lábios era um ruído rouco e lamuriento. Era surpreendente que ainda estivesse vivo.
    Azibo não emanava nenhuma aura ameaçadora, e Pluma não achou difícil confiar no homem, mesmo que seu espírito permanecesse arisco. Ele a alimentou, tratou dos ferimentos superficiais que ela nem ao menos percebeu ter adquirdo durante sua fuga, e, a partir desse dia, ambos iniciaram a construção lenta e delicada de uma relação de amizade. Inicialmente, ela era incapaz de perceber o que Azibo ganharia em adotar uma garotinha suja e moribunda que encontrara nas margens de um riacho, mas não demorou tanto tempo para compreender a verdade. Ela viu os ídolos dentro da caverna, as ervas cuidadosamente separadas, o preparo minucioso dos rituais. Azibo era um xamã. Mais que isso, se as cicatrizes significavam algo, Azibo era o xamã de uma tribo que provavelmente fora tão massacrada e dizimada quanto a tribo de Pluma. Os dois eram sobreviventes da violência de saqueadores, de comerciantes de escravos e piratas. Não sem um certo cinismo, Pluma percebeu que, talvez, ele a mantinha por perto apenas pela frágil esperança de preservar alguma familiaridade com seu passado, mesmo motivo pelo qual ela se sentia à vontade permanecendo próxima dele.
    O fato de Azibo ser completamente mudo não era sua única complicação. Para agravar mais ainda a situação, a deformação de cicatrizes retorcidas em seu rosto, a pele que parecia ter sido arrancada e depois recolocada em um local inteiramente errado, fazia com que ele fosse incapaz de reproduzir qualquer expressão facial. Esse fato deixava Pluma especialmente desconcertada. Por toda sua vida, até agora, tinha sido capaz de se relacionar com outras pessoas usando com principal guia a leitura das pequenas expressões no rosto, tornando-se relativamente boa nisso. As pessoas podiam mentir com as palavras, mas o rosto dificilmente mentia junto. Azibo era uma página em branco, impossibilitado, pela pele rígida, de sorrir ou franzir as sobrancelhas, mesmo que, internamente, sentisse alegria ou desconforto.
    Isso não quer dizer que o homem não era engenhoso ao desenvolver formas de se comunicar. Mesmo completamente sozinho, Azibo desenvolvera uma espécie rudimentar de linguagem de sinais. Não produzia frases inteiras, mas era suficiente para expressar algumas palavras, e, principalmente, suas emoções. Quando caçavam, ele apontava para um ponto distante atrás de uma árvore, e, passando a ponta do dedo indicador ao longo do comprimento do dedo mindinho, ele indicava atenção. Quando Pluma pisava em um galho, espantando os animais que espreitavam, Azibo apertava o próprio pulso direito entre o polegar e o dedo médio da mão esquerda, expressando irritação. Quando ela errava a mistura de ervas, transformando um chá com propriedades analgésicas em um líquido espesso e com gosto de barro, Azibo passava a mão pela frente do corpo, num movimento de baixo para cima, como se limpasse uma sujeira na roupa. Aquele sinal era, invariavelmente, nojo.
    Passaram semanas, meses, até que ela aprendesse completamente o complexo sistema de comunicação criado pelo xamã. Azibo fazia questão que ela falasse, pois, segundo ele, gostava do som das palavras a passara muito tempo na companhia solitária do silêncio. Mesmo assim, fora inevitável, que, com o tempo, focando-se tanto em expressar as emoções através dos gestos para se aproximar de seu único amigo, Pluma fosse tornando-se cada vez mais sútil ao demonstrar o que sentia através do rosto. Após um ano inteiro com Azibo, ela mesma era uma página em branco, expressando curiosidade apenas através do gesto breve do punho fechado balançando de um lado para o outro. Eram necessárias emoções muito intensas para perturbar a máscara de calma impassível que havia feito lar em suas feições. Além disso, a conversa secreta e silenciosa era uma forma segura de se manterem protegidos em um local imprevisível e impiedoso como era a floresta.
    Depois do primeiro ano juntos, Azibo finalmente manifestara sua insatisfação com o apelido vulgar que a garota recebera no porto de Brimhaven. Azibo já havia se utilizado de rituais para dividir com Pluma partes de sua cultura, esquecidas por ela mesma. Mostrara, através de sonhos tumultuosos, a lenda de Gara-Dul e da ascensão das divindades renascidas pelo sacrifício da criatura. Eram histórias estranhamente familiares, como um cheiro doce que se capta no meio de uma multidão e que provoca memórias de um tempo no passado, mesmo que não seja possível identificar onde exatamente o cheiro se encaixa nesse passado. Era uma rememoração sútil, que não provocava uma dramática ebulição de lembranças reprimidas, mas, de qualquer forma, fazia com que ela se sentisse mais próxima de sua história abandonada. Na maioria das vezes, os sonhos manipulados pelos rituais de Azibo eram carregados pelas imagens oníricas das divindades reverenciadas pelo xamã; Shaika, Kharazi e Raharn fazendo suas aparições como criaturas imponentes e poderosas, sem formas definidas. Em uma dessas ocasiões, entretanto, Azibo decidiu fazer sua própria aparição. Nesse sonho, ele era um homem jovem de pele escura, com o corpo vigoroso e olhos enérgicos. Não tinha nenhum sinal de suas habituais cicatrizes e deformações do plano real. Eles conversaram longamente, usando as palavras de forma que nunca antes ele pudera fazer. Azibo contou que desde que a encontrara, acreditou que Pluma se tratasse de um presente dos deuses, uma chance para que ele fizesse alguma coisa boa com a vida que lhe fora poupada. Agora, mais do que antes, ele tinha certeza disso. Tinha ouvido as vozes dos espíritos, e eles chamavam a garota de Lanre. Azibo estava pronto para ensiná-la tudo que sabia.
    A similaridade da nova alcunha com o nome que um dia ela possuíra - num período que, agora, pareciam séculos no passado - não passou despercebido. Pelo contrário, doeu de forma aguda, como uma agulha de preguiçosa precisão encravando-se lentamente no peito. As palavras borbulharam dentro dela, subindo de algum lugar escondido no seu coração e ameaçando escapar por entre seus dentes. Quando despertou do sonho induzido, desejou contar tudo a respeito do massacre de sua tribo a Azibo, mas não foi capaz. O pesso daquele segredo ainda era muito pesado para levantar.
    Mesmo com a decisão final de propriamente ensiná-la, a jornada até os segredos do conhecimento bem guardado pelo velho xamã não fora percorrida a passos fáceis. Não tardou para que Azibo percebesse os sentimentos maculados no interior de Lanre. A garota tinha a raiva profundamente enraizada dentro de si, e, como todos sentimentos de natureza imprevisível e instável, a raiva impedia o equilibro necessário para a manipulação da magia ritualística. Equilíbrio. Azibo tinha um gesto para essa palavra fundamental, é óbvio, e não hesitava em utilizá-lo toda vez que decidia que uma discussão a respeito do uso apropriado da magia já havia se estendido por muito tempo, encerrando o assunto inevitavelmente. Lanre não compreendia. Qual era o equilíbrio almejado pelos espíritos? Karamja sangrava, agredida de forma progressivamente mais violenta pelos colonizadores e piratas. Onde seria o ponto de equilíbrio? Quando todos templos fossem saqueados, todas tribos nativas dizimadas e o porto imundo e manchado pela podridão de Brimhaven se espalhasse por toda extensão do continente? Para essas questões, Azibo não parecia disposto a fazer o esforço de alcançar uma resposta satisfatória. Balançava a cabeça, o aspecto solene, como se Lanre estivesse tão distante da verdade como ele agora estava distante de ser o homem jovem que ela vira em seus sonhos.
    Nem tudo era tão complicado. Azibo também a ensinara a se movimentar pela floresta de uma forma como que ela nunca havia sido capaz. Ensinou Lanre a ser leve em seus pés, e a manter os ouvidos atentos sem nem perceber que estava fazendo isso. Mostrou-lhe a melhor maneira de caçar, e como limpar os animais capturados antes de cozir. Depois de algum tempo, Lanre era capaz de nomear as utilidades de cada uma das ervas que eles colhiam no caminho. Dor de barriga, cicatrização, febre, infecções. Ela conhecia a todas, assim como também conhecias os frutos que eram venenosos e aqueles que eram seguros para a alimentação. Lanre não mais se sentia como uma criatura frágil dentro da floresta, lentamente sendo digerida. Agora, era parte dela, uma só com aquele enorme organismo vivo e selvagem.
    Eventualmente, Azibo era obrigado a percorrer o caminho até Brimhaven. As ervas raras, os chás e a caça podiam ser trocados por outras coisas igualmente valiosas para o xamã, coisas que ele nem sempre encontrava com facilidade dentro do isolamento amplo da floresta. Lanre nunca encontrara dentro de si a disposição para retornar com seu mentor. Nas ocasiões em que ele ia, ela se ocupava da caça, de encontrar um lugar seguro para montar o acampamento e para preparar a fogueira. Se ele demorasse mais que um dia, não importava. Ela conhecia a floresta suficientemente bem para sempre encontrar algo para fazer. Àquela altura, anos já haviam se passado desde que tentaram prendê-la e vendê-la como escrava. Não era o medo que a mantinha afastada do porto, ou, pelo menos, não era o medo de ser capturada. O que ela temia, mais do que qualquer pirata bêbado e ganancioso, era que uma vez dentro de Brimhaven, a vontade de ir até a Senhora Bêbada reencontrar os antigos conhecidos fosse mais forte que sua determinação. Se ela fosse até lá, tinha quase certeza que reencontraria os antigos fregueses. Além de Azibo, eles foram a coisa mais próxima de amigos que ela já tivera. Se ela fosse até lá, veria o rosto conhecido de Yarin, ouviria a música de Rue e a risada alta de Andor. O medo era da verdade. Se algum deles tivesse sido o responsável pela captura, ela veria isso imediatamente em seus olhos. Precisaria de meio segundo, e reconheceria a culpa na expressão de qualquer um deles. Alguém poderia discordar, mas, nesse caso, a confirmação seria mais cruel que a dúvida.
    Posses:

    Dinheiro: 5 moedas de prata.
    Bens:
    Inventário: Adaga de Osso, Pingente élfico.
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      Data/hora atual: Sex Nov 22, 2024 10:02 pm